sexta-feira, 30 de julho de 2010

Por uma educação que liberta potencialidades


Por Mariana Amaral

“Nada é mais prodigioso, ou mais digno de celebração, do que algo que liberta as capacidades de uma pessoa e lhe permite crescer e pensar”
(Vendo Vozes - Oliver Sacks 2010:29-Companhia de bolso)

A gente se torna professor pensando nisso, poeticamente dizendo, em levar o outro a tornar-se rio, desaguar, refazer-se, transbordar, encontrar seu próprio rumo.
Quando li no livro, de Oliver Sacks, a epígrafe deste texto, lembrei-me de dois autores: Paulo Freire e Leonardo Boff. Paulo Freire nos fala sobre a possibilidade de um fazer pedagógico que propõe a transformação da realidade a partir do entendimento que vamos tendo que somos todos sujeitos: pensamos, possuímos saberes, leituras, experiências que podem contribuir com a educação de si mesmo, do outro e com a construção da realidade. Para isso é necessário que nossas capacidades sejam despertas, então, não seria ensino onde o predomínio seja transmissão; mas sim um processo de construção de saberes, de ensinaraprender. Uma educação com, diferentemente do para, permite que o outro cresça, desenvolva-se, abre espaço para expressão de pensamentos, curiosidades, desejos: esse é um caminho que pode ajudar a libertar capacidades.
Boff, em seu livro “A águia e a galinha- uma metáfora da condição humana” nos conta uma história africana (cuja autoria Boff atribuí a James Aggrey que lutou pela libertação de Gana embora não a tenha visto) de uma águia que foi criada como uma galinha,no meio de galinhas e adquirindo todos os hábitos galináceos: ciscar, voar baixo, olhar para o chão. Impossibilitada de desenvolver suas capacidades a águia levava uma vidinha medíocre. Suas capacidades estavam inertes e eram desconhecidas para ela mesma. Até que um dia, surge um naturalista que vendo a águia naquela condição convence ao proprietário de que mesmo tendo passado um bom tempo de sua vida como galinha todas as capacidades da águia estavam nela, adormecidas e se despertas ela seria uma águia e jamais voltaria a comportar-se como galinha. O proprietário daquela atípica águia, ainda duvidando, topou o desafio. Levantaram-se cedo e levaram a águia no topo de uma montanha, viraram os olhos da águia para o sol, permitindo que sua visão se expandisse, deixaram que ela visse o céu, o horizonte, sentisse a altura. E aí,a águia abre as asas e voa em direção às alturas.
Recontei aqui a história, você pode lê-la integralmente no livro que citei. Mas por que me lembrei desta história? Você já deve estar concluindo...
Somos educadores de escola pública e muitos de nossos alunos são como essa águia, vivem com suas capacidades inertes, adormecidas, nem mesmo sabem que as possuem. Muitos já acreditaram em um discurso despotencializador que circula aqui e ali na escola. Acreditaram porque a vida lhes é dura, com muitos desafios e negações e a escola, tristemente, tem se tornado mais um ambiente de negação. Nós, professores, deveríamos ser como esse naturalista, enxergar a capacidade dos alunos e levá-los ao despertar. Conduzi-los ao alto da montanha (levá-los um passo adiante, prezar pela sua aprendizagem), deixar que o sol lhes abra a visão (que conheçam, que façam perguntas, que descubram), deixar que vejam o céu (percebam o quão imenso é o universo e o quanto ainda temos a conhecer e a crescer) e sintam o vento (sintam-se capazes) e, convidados, impulsionados a voar, abram suas asas (desenvolvam-se, libertem-se) e alcem voos altos (encontrem seus caminhos) porque libertaram suas capacidades.
O desafio que o naturalista fez ao proprietário é parecido com o desafio que temos diante de nós ao entrar em sala de aula. Muitas pessoas, assim como o proprietário da águia, duvidam do potencial das crianças; acham que por serem de classes populares, morarem em determinados lugares, serem de determinada família; não irão muito longe. Passarão suas vidas com voos rasantes, olhando para o chão, ciscando. Nosso desafio consiste em ter a mesma determinação do naturalista, acreditar que em cada criança há potencialidades, capacidades a serem libertas, despertas. Acreditar que a condição de galinha não é a condição final, mas sim a condição muitas vezes imposta. Inventar o possível (lembrando-me da introdução ao livro A Cultura no Plural de Michel de Certeau) enfrentando as condições de impossibilidades postas conduzir nossos alunos ao alto da montanha, local onde também poderão encarar o sol, o horizonte e alçar voos altos.

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